O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deve priorizar a criação de uma lei para coibir o assédio judicial contra jornalistas e ativistas. A decisão foi anunciada pelo senador durante uma reunião promovida pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Transparência Internacional - Brasil com profissionais da Europa e da África, defensores das chamadas leis Anti-Slapp (Strategic Lawsuit Against Public Participation, ou litígio estratégico contra a participação pública, em português). O encontro foi realizado na sexta-feira (12) durante o 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, em São Paulo, em que o senador esteve presente para uma mesa de entrevista.
O termo SLAPP descreve a utilização de medidas e processos judiciais para intimidar e silenciar vozes críticas, limitando o debate sobre tópicos de interesse público. As estratégias das SLAPPs são diversas e vão desde o uso do sistema criminal, pedidos de indenização exorbitantes até a multiplicidade de ações judiciais. No Brasil, esse tipo de prática é conhecida como assédio judicial. Em abril de 2024, em parceria com a UNESCO e com pesquisadores da USP, a Abraji divulgou um relatório que apresentou critérios para categorizar o assédio judicial. Em recente julgamento (ADI 7055), o termo foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Leia a íntegra do relatório neste link.
O objetivo das SLAPPs não é a vitória processual, mas a imposição de custos e desgaste dos alvos, ou seja, a quem responde a essas ações. Essas despesas incluem honorários advocatícios, custas processuais, indenizações e multas, além de tempo e energia, que poderiam ser usados na cobertura jornalística e investigativa ou, no caso das ONGs e ativistas, no controle social e defesa de suas causas. Os riscos acarretados pela ação judicial incluem insolvência civil, prisão, perda de credibilidade e danos psicológicos. O abuso do direito de ação judicial ameaça garantias fundamentais, como a liberdade de expressão, de imprensa e de informação.
A Abraji e a Transparência Internacional - Brasil, além de outras organizações, buscam inspiração na União Europeia para criar uma lei que proteja jornalistas, defensores ambientais, de direitos humanos e outros ativistas, acadêmicos e whistleblowers do assédio judicial. Em fevereiro de 2024, o Parlamento Europeu aprovou a Diretiva anti-SLAPP, que impõe o desenvolvimento de uma legislação específica nos Estados-membros no prazo de dois anos.
A diretiva ficou conhecida como Lei de Daphne, pois o debate sobre SLAPPs na Europa se intensificou após o assassinato da jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, especialista na investigação de corrupção e crimes financeiros em Malta. Por conta de seu engajamento na apuração de atividades ilícitas, como no caso dos Panama Papers, Galizia foi sujeita a inúmeros tipos de perseguições: prisões ilegais, bloqueio de contas bancárias, tentativas de incêndio em sua casa e intimidações públicas. Dentre tais agressões, respondia a 48 processos judiciais por difamação. Após sua morte, tornou-se claro que a violência física era parte de um fenômeno mais amplo, relacionado à tentativa de suprimir o escrutínio de tópicos de interesse público por entidades poderosas, utilizando-se de estratégias abusivas como as SLAPPs.
Estiveram presentes na conversa com o presidente do Senado: Katia Brembatti (Abraji), Bruno Brandão (Transparência Internacional), João Paulo Batalha (Associação Portuguesa Frente Cívica), Matthew Caruana (Fundação Daphne Caruana Galizia), Sedrick de Carvalho (jornalista e ativista angolano) e Mery Rodrigues (Transparência Internacional - Moçambique).
Matthew Caruana contou a história de sua mãe, Daphne. Sedrick de Carvalho relatou seu tempo no cárcere em Angola e mencionou o apoio pioneiro do Senado brasileiro no caso: após a manifestação dos senadores em prol de sua soltura, inúmeros outros órgãos passaram a dar apoio à causa. Sedrick também comentou sobre como a Lei de Acesso à Informação é precária em Angola. Neste contexto, Pacheco, além de solidarizar-se com os relatos, destacou que a liberdade de imprensa é um dos três pilares que mantêm a democracia.
João Paulo Batalha explicou o processo de aprovação da Lei de Daphne e detalhou quais são os próximos passos para que Portugal adote a diretiva do Parlamento Europeu em sua legislação doméstica.
Katia Brembatti apresentou o Monitor de Assédio Judicial Contra Jornalistas, desenvolvido pela Abraji, que já identificou 654 ações judiciais movidas contra jornalistas no Brasil de 2008 a 2024, em 84 situações de assédio. Ela destacou a vitória na ADI 7055, em que o STF reconheceu o assédio judicial e adotou medidas para proteger jornalistas.
Apesar dessa conquista, a presidente da Abraji ressaltou a necessidade de maior conscientização entre os magistrados, principalmente de primeira instância, sobre o conceito de assédio judicial e a aplicação da Recomendação 127 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que orienta tribunais a refrear a judicialização predatória que vise o cerceamento de defesa e a limitação da liberdade de expressão. Para a Abraji, uma legislação anti-SLAPP é essencial no Brasil, pois a Recomendação 127 do CNJ, por si só, não tem poder suficiente para coibir o assédio judicial.
* Legenda e crédito da foto: Da esquerda para a direita, Maria Dominguez, Sedrick Carvalho, Rodrigo Pacheco, João Paulo Batalha, Basília Rodrigues, Matthew Caruana e Mery Rodrigues / Melvin Quaresma
** Leia esta reportagem em inglês neste link.